O que é preciso saber sobre a depressão
A dor da depressão não se agita e não grita, mas está lá, muda e invisível aos olhos dos que não a sofrem.
Acometido por ânimo entristecido, sentimento de um abismo infinito, extinção do desejo, impressão de entorpecimento o deprimido enfrenta uma tristeza profunda marcada por manifestações de medo e desânimo.
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A depressão não deve ser confundida com o sentimento de tristeza resultante de acontecimentos temporários. A tristeza tende a não se prolongar e, de um modo geral, não é incompatível com uma vida normal. Já a depressão envolve estados, afetos e sintomas de natureza penosa, desgosto, preocupação e inibição geral. Caracteriza-se por uma tristeza profunda acompanhada de medo e afeta de modo significativo o rendimento no trabalho, a vida familiar, escolar e social em geral, causando grande sofrimento.
A depressão manifesta-se na forma de sentimento prolongado de abatimento acompanhado de aborrecimento e irritabilidade, sensações de aflição, preocupação, receios infundados e insegurança, diminuição da energia, fadiga e lentidão, perda de interesse e prazer nas atividades diárias, perturbação do sono e do desejo sexual, sentimento de culpa e de autodesvalorização e alterações da concentração, memória e raciocínio.
Nas formas mais graves, a depressão pode surgir sem relação aparente com acontecimentos traumáticos da vida e pode durar indefinidamente. Nas formas mais ligeiras, a intensidade do sofrimento é menor e permite a manutenção das atividades diárias, embora à custa de fadiga, tristeza, desinteresse e desgaste físico, emocional e mental.
Embora produza grande sofrimento e perdas pessoais e sociais, a depressão é um desses males que costumam passar despercebidos, já que seus sintomas podem ser atribuídos ao estresse, a causas neurológicas e, muitas vezes, o senso comum atribui os seus sintomas à mera preguiça e à falta de empenho na vida, acreditando que, para curar-se, basta o deprimido obrigar-se a se mexer.
Ocorre que é impossível para o deprimido simplesmente fazer um esforço de vontade para sair da depressão. Isso não funciona, até porque a depressão atua justamente no desligar da vontade para as atividades da vida. Ou seja, a depressão, conforme já apontou Freud, é uma inibição das funções do ego relativamente ao trabalho, à locomoção, à nutrição, ao sexo, etc., por meio da retirada inconsciente da libido, do desinvestimento no objeto do desejo.
A depressão é um modo específico de defesa inconsciente às pulsões por meio da renúncia das atividades como forma de escapar ao conflito com o desejo que busca canal de realização justamente nas atividades, ou seja, renuncia-se para não ter de exercer a repressão das pulsões, repressão essa que seria outro modo de defesa contra as pulsões.
E há ainda outra renúncia em jogo na defesa depressiva: ao renunciar às atividades, o inconsciente busca defender-se da autopunição ao qual o deprimido se submeteria se ousasse realizar as atividades em questão. É como se o deprimido não pudesse fazer certas coisas, pois elas lhe trariam vantagens e êxitos, o que, inconscientemente, lhe é proibido. Então, a renúncia a essas realizações funciona como mecanismo psíquico para evitar mais esse conflito consigo mesmo.
Porém, o quadro depressivo vai um pouco mais além em sua complexidade, pois a depressão envolve também ocorrência de angústia em duas direções: de um lado, como uma espécie inconsciente de alerta para inibir a pulsão desejante e, de outro lado, como forma de prevenir o embate da autopunição pela realização das atividades sentidas como proibidas. Ou seja, essas angústias produzem no psiquismo uma espécie de descarga que busca desligar os desejos. É por isso que corriqueiramente costumamos dizer que a contraface da depressão é a ansiedade. [O que é a ansiedade e o que fazer com ela>>]
Mas, o nível de complexidade da depressão segue um pouco mais além com a presença de mais dois ingredientes, sendo um deles a culpa. O deprimido costuma cobrar-se por não estar fazendo o que a vida em sociedade lhe impõe, de modo que a cobrança explícita ou velada que as pessoas próximas eventualmente fazem sobre o deprimido chega a ser, na maioria das vezes, bem menor que a cobrança do próprio deprimido sobre si mesmo, produzindo nele variados graus de culpa que, por sua vez, retroalimenta a angústia.
Outro ingrediente da depressão é a raiva, sendo ela o componente mais velado, já que ele aparece de modo indireto. O êxito da defesa depressiva é o desinvestimento no objeto do desejo, ou seja, a renúncia das atividades é a renúncia do investimento libidinal sobre o objeto do desejo, o que equivale à perda do objeto, que é sentida como desamparo. E, primordialmente, o desamparo é percebido psiquicamente como abandono. Ou seja, o deprimido desinveste o objeto e, paradoxalmente, sente-se abandonado por ele e, desamparado, sente medo e raiva.
A depressão, esse mal, que é silencioso e invisível aos olhos dos outros, muitas vezes fazendo do deprimido objeto de preconceito, precisa ser cuidado para que não se prolongue por anos e até mesmo por toda a vida.
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