Falando em Terapia

Uma viagem ao inconsciente

A análise requer a disposição do paciente para uma incursão no seu mundo psíquico.

O que o paciente vai encontrar quando resolve iniciar um processo de análise? Será que a análise poderia ser comparada a uma espécie de viagem ao mundo psíquico? Mas o que haveria no inconsciente a ser visitado? Utilizo abaixo a analogia da viagem para falar um pouco sobre o assunto.

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Popularmente, há quem compare a análise a uma incursão exploratória ao inconsciente para que o paciente descubra e ressignifique questões psíquicas causadoras de sofrimentos manifestos por meio de sintomas. Essa viagem ao inconsciente teria por finalidade sanar ou amainar determinados distúrbios observados na vida do paciente. Essa não é uma inverdade, mas o processo psicanalítico não é direto assim e nem linear.

Se pudéssemos comparar a análise a uma viagem, com certeza diríamos que não seria uma viagem do tipo pacote de férias. Não se pode programar um processo de análise nesse nível de detalhe. No caso da viagem das férias, o agente pode prever os voos de ida e volta, as hospedagens, os passeios, com datas e horários e monumentos a serem visitados, etc. Em contrapartida, a viagem ao inconsciente, embora proporcione um processo de autoconhecimento, e por meio desse processo ocorram o alívio e a cura de sofrimentos psíquicos, essa incursão é singular, ou seja, trata-se de uma viagem única, não possível de ser prevista, pois que ninguém nunca a trilhou antes. [Quem me faz sofrer? >>]

Suponhamos que a análise seja uma espécie de viagem que o paciente resolveu empreender com a ajuda do seu analista. E o paciente quer saber: O que levo na mala? Quais roupas são as mais apropriadas? Qual é o percurso? O que vamos encontrar pelo caminho? Quando chegaremos ao destino? E o psicanalista responderá: Traga o que achar necessário. Venha com suas expectativas e desejos. Talvez viajemos de avião em alguns trechos, que é bem rápido. E se você tiver medo, seguro sua mão. E se for preciso, mudamos para o conforto de um trem, de onde poderemos apreciar a paisagem com calma. Podemos descansar um bocadinho sob a sombra de uma árvore, num piquenique, subir montanhas, descer vales. Encontraremos pelo caminho animais dóceis e bichos ferozes. Trechos com sol, outros com chuva, tempestades… Talvez tenhamos que atravessar a pé desertos causticantes, ou regiões de charco, que exigirão de nós esforço para nos deslocarmos passo a passo. Leve na mala as roupas que imaginar necessárias. Se descobrirmos que elas são supérfluas, saberemos descartá-las. Se forem insuficientes, saberemos tecer roupas novas e apropriadas, ou mesmo roupa nenhuma. E quando chegarmos ao destino – seja ele qual for – descobriremos que alguma coisa mudou em nós, não somente por ter chegado, mas sobretudo por causa do caminho percorrido. Porque visitar o mundo psíquico é percorrer a própria vida na sua mais profunda complexidade, com seus tesouros e assombrações.

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